Neste último sábado fiz algo que tenho feito muito pouco: tomei um ônibus. Esse estava relativamente vazio e com alguns lugares vagos. Sentei-me naquele banco do fundo, no acento central de frente para o corredor, aquele em que ficamos sempre tensos imaginando que uma freada mais brusca do motorista nos fará ir conversar com ele, com a cara grudada no pára-brisa. Depois de acomodado olho para frente e reparo em um monitorzinho de plasma, que incrivelmente já estão deixando de ser modernos, com a imagem de um rosto feminino se maquiando e dando instruções sobre como se maquiar. Já estava pensando no poder hipnótico que essas telinhas têm, todos em silêncio compenetrados na lição de beleza (beleza bem discutível aliás, a mulher estava com a cara pintada como uma boneca, esse tipo de exagero só pode ser para incentivar o maior consumo de cosméticos), quando alguém a meu lado dirige-se a mim reclamando que achava ridícula a programação das tais telinhas e que devia-se veicular coisas mais úteis e interessantes. Concordei com o rapaz e começamos a tirar um sarro da programação da TV Buzão, assim tivemos uma viagem rápida com um papo bacana. Após algum tempo, vendo duas senhoras começarem a conversar sobre a falta de educação dos motoristas que não as deixavam atravessarem a rua, pus-me a lembrar de outras situações que vivi ou presenciei e reparei que quase sempre essas conversações são ocasionadas por fatos que incomodaram os interlocutores.
Assim sendo, pude listar alguns locais mais propícios a essas breves amizades: ônibus, trens e metrôs (especialmente os lotados e atrasados), repartições públicas (com seus funcionários sempre prontos a te ignorar), hospitais e, sobretudo, as filas de banco (principalmente quando pensamos em seus lucros anuais absurdos divulgados pela mídia). Esta solidariedade vinda da cumplicidade em um momento de incômodo parece ser a mesma que percebemos em grande escala, quando acontecem grandes tragédias e as pessoas se mobilizam para ajudar a desconhecidos. Claro que não estou aqui tratando dessas grandes desgraças, mas de pequenas situações cotidianas que incomodam e atrapalham a vida das pessoas. Nos grandes centros urbanos as pessoas estão sempre muito tensas e são educadas a desconfiarem de tudo e de todos a sua volta. O caso específico de São Paulo parece um pouco pior, essa tensão alcança níveis estratosféricos e não há grandes válvulas de escape, como a praia para o carioca, por exemplo. Para qualquer lugar onde olhemos a cidade nos agride, com um cinza bélico, um cheiro químico e uma barulheira que nem ouvimos mais, porém nos perturba sigilosamente. Isso tudo vai minando a alma paulistana e a deixando cada vez mais dura, calejada. No entanto essa dureza está sempre sujeita a um enternecimento, desse jeito paulistano, reclamão que se incomoda facilmente com qualquer coisa, claro. Afinal, esse processo de calejamento vai tirando a paciência dessa alma perturbada.
Talvez devêssemos tentar ser mais pacientes, mais compreensivos e mais amistosos em situações normais. Provavelmente isso melhoraria nossa qualidade de vida, nosso ânimo, nosso humor, enfim, nossa relação com o mundo. Mas, se fôssemos assim, não seríamos mais paulistanos. Essa é, bem ou mal, a nossa identidade, a identidade de um povo que consegue ser incomodamente terno.
Urubú
3 comentários:
Beleza de texto! Adoro São Paulo e concordo que ela é assim mesmo : fria só por fora, uma pequena faísca faz aparecer o calor humano do paulistano.
Vim conhecer o blog e adorei, vocês escrevem super-bem e os temas urbanos e atuais são discutidos com muita sensibilidade. Parabéns!
Vou linká-los no meu blog.
Beijos.
Que sorte hein! Um bate papo no bus é pra poucos!
Não tenho essa sorte aqui em Brasília não!
É, por aqui também não é comum, por isso mereceu um post
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