sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Familiar x Estranho

É muito curioso como podemos nos sentir tão familiarizados e, ao mesmo tempo, tão estranhos a um lugar. O momento em que tomei consciência real de que estava em Berlim foi logo depois de sair da estação do metrô e caminhar, ainda completamente perdido, mas já mais calmo, por ruas tranqüilas, de bairro mesmo!, da cidade. Achei que caminhava por um bairro da periferia, tamanha era a paz do lugar (depois descobriria que aquele era um bairro bem central). Bicicletas por toda a parte, pouca gente na rua, ausência quase completa de ruídos de automóveis, muitos prédios com aparência de caixotes, uns quase iguais aos outros, apenas uma leve mudança na tonalidade dos tons papéis em suas pinturas os diferenciavam. Entro em uma “banca” de jornais, que na verdade era uma lojinha, para me situar e descobrir que rumo tomar. Descubro que estava na direção correta, mas que havia desembarcado em uma estação bem distante do meu primeiro destino berlinense, o curso de alemão. Continuo caminhando em direção a rua principal (que era tão principal que verdadeiramente chama-se rua Principal – Hauptstrasse) e o número de estabelecimentos comerciais vai aumentando. Então, quando finalmente estava na Hauptstrasse, deparei-me com algo que, apesar de nunca ter visto assim pessoalmente, foi a primeira coisa realmente berlinense e familar: o Ampelmann, que nada mais é do que o semáforo de pedestres utilizado na Alemanha Oriental. Nele as figuras simbolizam trabalhadores, com seus indefectíveis chapéus.

Ao chegar ao curso a cidade já havia se transformado em algo mais próximo da cosmopolita Berlim que imaginava do Brasil. Um centro de bairro com restaurantes, Starbucks, uma loja da rede de drogarias que vendia uma variedade de itens maior do que as Lojas Americanas (a Rossmann, que vendia chocolates Lindt a 0,70 euros), enfim, havia chegado. O curso começaria em alguns minutos e tinha que fazer a primeira refeição longe do Brasil. Aí obviamente tive o pensamento que a maioria dos turistas tem: preciso comer algo tipicamente alemão. Então fui dar uma volta nas imediações, desta vez com o olhar e o olfato calibrados para comida e, após andar uns quinze minutos fazendo um exame minucioso nas fachadas dos restaurantes, percebi que não seria ainda o momento de provar o Wurst (lingüiça, e sem trocadilhos infames, por favor) local. Por todos os lados tudo o que podia ver era restaurantes indianos, turcos, árabes, chineses, enfim, orientais em geral. Como não tinha mais tempo, voltei ao primeiro lugar que considerei entrar pra dar aquela enganada no estômago e meu tão esperado primeiro almoço com uma pizza de fast food, bem meia-boca, em frente ao curso.

Não, apesar do triste fim dessa história, minha dieta não foi a pizza e a cozinha italiana de estabelecimentos de qualidade duvidosa. Em uma das minhas primeiras andanças pela cidade pude experimentar o prato rápido típico das estações de trem (equivalente à nossa comida de rodoviária), o Currywurst, que consiste em um prato com uma lingüiça, uma porção de fritas e um molhinho levemente picante a base de catchup, que é comido normalmente em pé, à beira de um balcão, rodeado de gente com pressa e, logicamente, acompanhado pela cerveja típica de Berlim, a Berliner. Com alguma sorte um alemão, velhinho e menos carrancudo, lhe olha e solta um “Guten Appetit”- o que aconteceu comigo em meu Currywurst inaugural.

Mas, voltando ao estranhamento/familiaridade (depois escreverei um texto só falando de minhas façanhas gastronômicas), posso dizer que minha viagem foi, desde o início, marcada essas sensações antagônicas. Em meu segundo dia fui me encontrar com a mulher que seria minha anfitriã em Berlim em um restaurante chamado Café do Brasil, cheio de brasileiros. Assim, mal pude sentir o choque da terra estrangeira e já estava com o gosto (aliás um ótima comida serve-se lá), o aroma e o idioma do Brasil novamente comigo. Cruzei com brasileiros muitas e muitas vezes de formas inusitadas. Gabi, minha anfitriã alemã, hospedou muitos brasileiros nas duas semanas em que estive em sua casa, o que, junto com uma bela amizade feita com outra brasileira, Lygia, a hospedagem que recebi em Hamburgo de um alemão que falava muito bem português e a estadia na casa de minha tia Guti em Nancy e na de minha amiga Dayze em Munique, não me deixou muito tempo longe da língua de Camões e Machado.

Os trens e metrôs eram também lugares que, por onde eu passava, me transmitiam uma familiaridade incrível, principalmente os metrôs. Era um lugar onde me sentia seguro, com o mapa nas mãos nunca poderia me perder. Claro que depois de estranhar muito a ausência de catracas (desce-se a escadaria e se está na plataforma, simples assim, “se quiser” paga) e o método de abertura das portas. Não, elas não abrem automaticamente! Mas isso é algo que não se demora muito a descobrir, depois de um pequeno susto e uma alemãzinha impaciente entrando bruscamente em sua frente a apertar o bendito botãozinho do “Abra-te Sézamo”.

Bom, por hora fico por aqui. Desta vez misturei muita coisa, queria falar de uma coisa e falei de outra. Mas no boteco é assim mesmo, boêmios não conseguem controlar pauta.


Urubú

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